Livros
Patu: uma mulher abismada
REAVIDA E ESCRITA: Notas de uma psicanalista
Distinta da transmissão oral, cuja filiação se inscreve na autoridade de quem a ordena, a escrita, afirma Derrida, se subtrai dessa paternidade. Ela é a órfã que se distancia de sua autoridade e se perde em sua disseminação.Seu destino se confunde com seu abandono, na dissolução de toda metafísica da presença na qual a palavra oral buscava a garantia de seus efeitos significantes.
Para Lacan, leitor atento de Derrida, se a presença do sujeito suposto saber orienta
a fala do paciente, sua dissolução, no termo do percurso analítico, implica igualmente essa orfandade que destina à solidão da escrita a palavra antes guiada pelo amor transferencial. Mas essa orfandade não é, como queria Derrida, um puro dispersar. Ela supõe o endereçamento de um desejo não mais aspirado pela referência ao ideal de uma autoridade, um desejo que
oferta ao Outro, da comunidade analítica, a invenção precária de um modo singular de se haver com a dimensão pulsional. Ao receber essas notas de uma psicanalista, reunidas no novo livro de Ana Lucia, nossa comunidade acolhe, no brilho de uma escrita fragmentada, esse precário desejo de invenção. O leitor encontrará aqui não um conjunto coeso de teoremas articulados num sistema de pensamento, mas uma série de ensaios de alguém que, como Montaigne, olha com distância irônica o ideal paterno de sistematização. Um testemunho de escrever como coragem em sua dimensão feminina, coragem no sentido da subjetivação corporal do riscoque a etimologia nos indica em sua referência ao coração e que assim se distingue da vã valentia da qual se vangloria a proeza masculina, vanglória tanto mais vã quando presa à garantia do ideal em seu horizonte.
É como Patu que Ana Lucia Lutterbach Holck, ao compor este livro, nos oferece a leitura de uma experiência singular da posição feminina.
Isso sem abrir mão de produzir uma obra em si mesma erótica, que convoca à aproximação e à criação de uma zona de intimidade com o que insiste em "não se escrever".
A autora nos alerta que sua escrita não provém do lugar de escritora, mas do lugar de psicanalista, de uma psicanalista que zela pela dimensão da escrita e da leitura, indissociáveis do seu ofício de tratar o real.
O leitor poderá constatar que a erótica do livro também está presente no modo como ele está feito. Os fios que o compõem não são necessariamente de mesma cor ou textura. A concisão dos textos está mais relacionada com os nós de uma tessitura do que com os fragmentos de uma narrativa. Essa concisão faz ressaltar os intervalos que separam um texto de outro, indicando que o ofício de tecer inclui o vazio. A descontinuidade aqui não é um defeito, mas um efeito próprio de uma erótica das "peças avulsas" que, no entanto, formam um desenho bastante singular.
Tudo parece derivar de um axioma que Ana Lucia coloca no pórtico de seus escritos: a mulher não existe, um enunciado provocativo e ao mesmo tempo uma bússola que Jacques Lacan constroi como orientação para a abordagem do real quando este se apresenta em suas diferentes versões femininas.
Livros Organizados
Dedicamo-nos à função da interpretação na prática da psicanálise, procurando-nos deter nas nuances que se estabelecem na interpretação, em uma análise, entre falar/ escutar e escrever/ler.
Com a ênfase colocada sobre a leitura, a escritura e a poética, nossa pesquisa se desenvolveu no litoral entre psicanálise e literatura, e, por isso, dedicamo-nos também ao estudo de alguns autores desse campo, contemporâneos de Lacan, entre outros, Barthes e Blanchot.
Além disso, detivemo-nos nos textos de escritores como Clarice Lispector, Marguerite Duras e Maria Gabriela Llansol. Para verificar as consequências clínicas da passagem da escuta à leitura, servimo-nos de casos clínicos contemporâneos, trazidos pelos participantes da Unidade de Pesquisa, assim como de testemunhos de passe de Analistas da Escola.
Nossos encontros foram pautados pela leitura e comentários dos participantes a respeito dos textos dos autores mencionados, intercalados pela presença valiosa de colegas, tanto da psicanálise, quanto da literatura.
Esta publicação, profundamente original, é uma outra forma de pensar sobre muitas questões que, hoje, caracterizam a vida dos moradores de favelas no Rio de Janeiro. Mais do que isso, trata-se de um registro singular de uma experiência inovadora no campo dos trabalhos de cunho social em bairros pobres.
E é também uma corajosa caminhada de prossionais que vêm buscando uma atuação próxima a uma parcela da nossa sociedade que não tem podido recorrer à psicanálise. Nesse contexto, torna-se leitura obrigatória a todas as pessoas que buscam uma compreensão mais generosa, profunda e singular da vida, em suas semelhanças e diferenças.
Psicanálise na Favela
Ao pé da letra
Desenvolvedor: Davi Godoi (31)99912-7556
Edição : Juliana Villa-Forte (21) 99932-7577